sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Uma dessas noites

O degrau rangeu, indignado, quando ele subiu tremendo as escadarias daquele prédio escuro.
A construção centenária em volta dele era tão acolhedora quanto um picolé de uva deixa nossas manhãs de inverno mais quentinhas. O piso embaixo dos degraus era tão fino que se tornava questão religiosa acreditar que aguentariam seus passos.

O som súbito e estranhamente coletivo de passadas cheias de unhas descendo em sua direção fez com que ele simplesmente se encolhesse o quanto podia junto à parede, e na falta de luz, ele sentiu um putaqueopariuqueporraéessa passar roçando os pelos carpetianos no seu casaco semi-funcional pela altura do peito. O momento durou pra sempre, mas finalmente o ____ passou por ele e voltou a virar som.

Ao chegar ao último e mais frio de três andares incrivelmente altos, o aprendiz olhou para o poço abaixo e se perguntou se havia de fato tido a coragem de completar aquela escalada no breu.
Passou à varanda do pátio, que a lua iluminava fracamente por entre as nuvens, revelando a neve que caía miseravelmente. Um babuíno distinto, vestido de sobretudo e cachecol, e com o olhar fixo num dos muitos fósseis que compunham o mineral que servia como piso, fumava seu cigarro barato na outra ponta do pátio. O pupilo fez o que pôde para ignorá-lo e seguir até os portões que ainda teria que atravessar antes de tudo acabar.

Os portões eram o pior de tudo, a cereja negra do bolo de cal. Suas 377 trancas se abriam com a mesma chave, mas a ordem e o sentido em que ela devia ser virada eram estritamente precisos.

Os ossos do garoto foram encontrados quase 3 anos depois, ainda agarrados à chave presa ao contrário em uma das trancas filhas da puta.

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